AS CARACTERÍSTICAS DA ARTE
MODERNA
Por Clóvis Campêlo
Segundo José Guilherme Merquior no livro
"Formalismo e tradição moderna: o problema da arte na crise da
cultura", de 1974, é dentro da própria consciência geradora do saber da
cultura ocidental que a estética moderna encontrará campo para dar vazão ao
sentimento de insatisfação que a invade. Mostra-nos o autor que nada
"poderia ser mais eloquente do que a simples menção da influência de duas
ciências humanas na arte moderna: a psicanálise e a antopologia". E ambas
se prestam a esse papel por provocarem constantes "deslocamentos" no
pensamento que as gerou. Assim, munidos de novos "instrumentos", os
artistas modernos encontram condições de manifestar a negação e a perplexidade
da arte em relação aos caminhos dos tempos contemporâneos. Valorizando os
impulsos libertários do inconsciente, bloqueados pela ética do pensamento
conservador, os modernos passam a salientar o "caráter repressivo do
princípio da realidade" como uma limitação às possibilidades vitais do
homem. Assumem, desse modo, uma postura "vocacionalmente
surrealista", instalando, no bojo do seu pensamento, a "mística da
liberdade espiritual", fonte da contracultura de vanguarda no final do
século passado.
A desconfiança da arte moderna ante os
valores da cultura ocidental faz com que, juntamente com a vontade de ruptura
cultural, desenvolva-se, na primeira, uma tendência ao hermetismo. Tal
tendência intensifica o isolacionismo cultivado pelo artista a partir do
pós-romantismo, afastando, com desdém, a estética moderna das massas (muito
embora estas se mostrem cada vez mais alfabetizadas) e encaminhando a arte moderna
para uns postura semântica elitista. O poeta moderno cerca de obstáculos o
acesso ao significado da mensagem poética e, almejando alcançar um público
seleto, cria obras que jogam com significados incertos, esquivos e obscuros.
Por compreender que o fácil entendimento
das obras significa a banalização e a alienação da informação (tal assertiva
torna-se interessante em um mundo caracterizado pela "democratização"
da informação e pela proliferação do simulacro enquanto meio de consciência cósmica,
ao mesmo tempo em que serve para desnudar mais um aspecto contraditório das
artes modernas), o bardo moderno envereda por caminhos esotéricos e inusitados
(mudança quanto ao conteúdo), enquanto adota contra a linguagem comum
(alteração quanto à forma) o que Ramon Jakobson, numa tentativa de definir a
literatura sob a ótica dos formalistas, classificou como "violência
organizada".
Concomitantemente a esse movimento de
afastamento das massas verificado na estética moderna, a arte de vanguarda
experimenta uma "universalização dos horizontes mentais",
estabelecendo entre os artistas modernos uma comunicabilidade definitivamente
diluidora do sentimento de "cor local" dos românticos e que,
transcendendo as nacionalidades, provoca o cruzamento de temas e estilos, em
que pese cada literatura estar irremediavelmente ligada ao espírito da sua
língua.
Desse modo, segundo a ótica de Merquior,
são quatro os movimentos que caracterizam a passagem da arte romântica para a
arte moderna: a mudança de uma concepção mágica de arte para uma concepção
lúdica, desdobrada em visão grotesca (jogo quanto ao conteúdo) e
experimentalismo (jogo quanto à forma); transformação da oposição cultural
romântica em ruptura; afastamento das grandes massas e tendência para o
hermetismo, e, encaminhamento da poética atual para o cosmopolitismo e para um
futuro planetário.
No entanto, se o primeiro movimento faz
com que a arte moderna manifeste uma saudável tendência de revigoramento e
renovação, ao mesmo tempo em que nega os valores culturais que contradizem a
afirmação humana, tendência essa confirmada no movimento de ruptura
(afastamento), o terceiro movimento (elitização e hermetismo) é contraditório e
caminha em sentido inverso aos anteriores. Por seu lado, o quarto movimento
(cosmopolitismo) parece nos indicar que a grande arte, perdida a sua função
mágica e situada em uma cultura de massa onde prevalece a divisão de classes
(característica supranacional), exercita essa permeabilização universalista
como forma de uma adaptação necessária à sua sobrevivência.
Para finalizar, consideremos que o
conceito de arte moderna, ainda segundo Merquior, prende-se muito mais aos
fatores internos observados nas obras de arte do que a sua contemporaneidade.
Tal fato se deve a permanência, ainda hoje, na tradição da arte moderna de
elementos românticos não submetidos ao novo estilo e que atuam como fatores de
estreitamento e de enfraquecimento da arte moderna, reduzindo a sua capacidade
de elaboração de uma crítica da cultura e diminuindo a sua energia criadora.
Dessa maneira, nem toda a arte contemporânea pode ser considerada "arte
moderna", assim como podemos estabelecer a existência de diversos graus de
"modernidade".
Clóvis
Campêlo
Recife/Br
1 comentário:
Gostei, mto. obrigada!
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