FELIZ NATAL
Frei Betto
Feliz Natal a todos que pulam
corda com a linha do horizonte e riem à sobeja dos que apregoam o fim da
história.
FELIZ NATAL aos infelizes cativos
do desapreço ao próximo, da irremediável preguiça de amar, do zelo excessivo ao
próprio ego. E aos semeadores de alvíssaras, aos glutões de premissas
estéticas, aos fervorosos discípulos da ética.
Feliz Natal ao Brasil dos
deserdados, às mulheres naufragadas em lágrimas, aos escravos do infortúnio
condenados à morte precoce. E aos premiados pela loteria biológica, aos
desmaquiadores de ilusões, aos inconsoláveis peregrinos da vicissitude.
Feliz Natal aos órfãos do mercado
financeiro, pilotos de vôos sem asas e sem chão, fiéis devotos da onipotência
do mercado, agora encerrados no impiedoso desabrigo de suas fortunas
arruinadas. E também aos lavradores da insensatez espelhada na linguagem transmutada
em arte.
Feliz Natal às lagartas temerosas
de abandonar casulos, ao desborboletear de insignificâncias cultivadoras de
ódios, aos exilados na irracionalidade do despautério consensual. E aos
dessedentados na saciedade do infinito, no silêncio inefável, nas paixões
condensadas em prestativa amorosidade.
Feliz Natal a quem escapa dos
indomáveis pressupostos da lógica consumista, dessufoca-se em celebrações
imantadas de deidade, livre do desconforto da troca compulsória de presentes
prenhes de ausências. E aos hospedeiros de prenúncios do leque infinito de possibilidades
da vida.
Feliz Natal a quem não planta
corvos nas janelas da alma, nem embebe o coração de cicuta, e coleciona no
espírito aquarelas do arco-íris. E a quem trafega pelas vias interiores e não
teme as curvas abissais da oração.
Feliz Natal aos devotos do
silêncio recostados em leitos de hortênsias a bordar, com os delicados fios dos
sentimentos, alfombras de ternura. E a quem arranca das cordas da dor melódicas esperanças.
Feliz Natal aos que trazem às
costas aljavas repletas de relâmpagos, aspiram o perfume da rosa-dos-ventos e
carregam no peito a saudade do futuro. Também a quem mergulha todas as manhãs
nas fontes da verdade e, no labirinto da vida, identifica a porta que os
sentidos não vêem e a razão não alcança.
Feliz Natal aos dançarinos
embalados pelos próprios sonhos, ourives sapienciais das artimanhas do desejo.
E a quem ignora o alfabeto da vingança e não pisa na armadilha do desamor.
Feliz Natal a quem acorda todas
as manhãs a criança adormecida em si e, moleque, sai pelas esquinas a quebrar
convenções que só obrigam a quem carece de convicções. E aos artífices da
alegria que, no calor da dúvida, dão linha à manivela da fé.
Feliz Natal a quem recolhe cacos
de mágoas pelas ruas para atirá-los no lixo do olvido e se guarda no recanto da
sobriedade. E a quem se resguarda em câmaras secretas para reaprender a gostar
de si e, diante do espelho, descobre-se belo na face do próximo.
Feliz Natal a todos que pulam
corda com a linha do horizonte e riem à sobeja dos que apregoam o fim da
história. E aos que suprimem a letra erre do verbo armar.
Feliz Natal aos poetas sem
poemas, aos músicos sem melodias, aos pintores sem cores, aos escritores sem
palavras. E a quem jamais encontrou a pessoa a quem declarar todo o amor que o
fecunda em gravidez inefável.
Feliz Natal a quem, no leito de
núpcias, promove despudorada liturgia eucarística, transubstancia o corpo em
copo, inunda-se do vinho embriagador da perda de si no outro. E a quem corrige
o equívoco do poeta e sabe que o amor não é eterno enquanto dura, mas dura enquanto
é terno.
Feliz Natal aos que repartem Deus
em fatias de pão, bordam toalhas de cumplicidades, secam lágrimas no consolo da
fé, criam hipocampos em aquários de mistério.
Feliz Natal a quem se embebeda de
chocolate na esbórnia pascal da lucidez crítica e não receia se pronunciar onde
a mentira costura bocas e enjaula consciências. E a quem voa inebriado pelo eco
de profundas nostalgias e decifra enigmas sem revelar inconfidências; nu,
abraça epifanias sob cachoeiras de magnólias.
Feliz Natal a todos que dão
ouvidos à sinfonia cósmica e, nos salões da Via Láctea, bailam com os astros ao
ritmo de siderais incertezas.
Queira Deus que renasçam com o
menino que se aconchega em corações desenhados na forma de presépios.
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