Teixeira
de Pascoaes
Uma
das figuras mais proeminentes da literatura e da cultura portuguesas do século
XX, Teixeira de Pascoaes (Joaquim Pereira Teixeira de Vasconcelos) é
estruturalmente um poeta-filósofo, mesmo quando se instaura como mentor do
Saudosismo ou resvala da poesia para outros géneros literários, cujo hibridismo
(de géneros e de linguagem) tem vindo a ser explorado pela crítica moderna.
Nascido a 2 de Novembro de 1877, em Amarante (Gatão), cursa Direito em Coimbra
(1896-1901) e chega a exercer profissão, durante dez anos, no Porto,
entregando-se depois, e até à data da sua morte (1952), à escrita, recolhido no
solar cujo nome adoptou (Pascoaes), no seio da paisagem da sua intimidade – o
Marão e o Tâmega, que eleva, enquanto canto à Terra e à Natureza, em termos
míticos e místicos, a uma figura integral do Mundo e do destino humano.A sua
estreia no parnaso português, numa procura de rumo entre as diversas tendências
herdadas da viragem do século, não foi brilhante. Em 1895 publica a primeira
obra poética, Embriões, que merece a crítica menos favorável de Guerra
Junqueiro. Nas obras que imediatamente se seguem, Belo I (1896) e Belo II (1897) e À Minha Alma (1898), transparece já
uma vivência original, que toma o Homem como centro e caminho de uma ascensão
espiritual crescente, transformando o material em espiritual, a memória em
sonho, o Real em Irreal, a presença corpórea em ausência saudosa. As
coordenadas do seu universo imaginário, já imbuído do que mais tarde chamaria
Saudade, estavam lançadas. Mas a sua consagração só seria alcançada com Sempre
(1898), que simboliza o encontro do poeta consigo mesmo. Nesta obra estão já
patentes traços que tornarão a sua poesia inconfundível: a fusão do subjectivo
e do objectivo; o sentimento religioso das coisas, esse além que, num mesmo
instante, se esconde e se revela nas sombras, nos fantasmas e nos espectros; o
fascínio pelo mistério e pela substância enigmática de tudo o que o rodeia; a
vocação mística, que tudo transforma.
(Pesquisa
e montagem de Carmo Vasconcelos)
TEIXEIRA DE PASCOAES
Por
Madalena Gomes
(In Memoriam)
Teixeira de Pascoaes,
pseudónimo do poeta Joaquim Pereira Teixeira de Vasconcelos, foi um surrealista
antes do surrealismo. Ele e António Nobre os dois “solitários” da nossa
literatura. Solidão diferente, no entanto. Enquanto António Nobre se deleitava
com a solidão, Pascoaes era a própria solidão. Refugiava-se nela como numa
fortaleza. À semelhança de Luís da Baviera, que fazia dos seus castelos um
miradouro para o mundo, Teixeira de Pascoaes tornou-se ermita no Marão. De lá
olhava os outros homens à distância, como um semideus. Das cores deslumbrantes
da paisagem que o rodeava tirava como de uma harpa os tons magoados, os
cinzentos os arroxeados. A paisagem do Marão sabia-a de cor. Raro era o dia que
não mergulhava nela. O Solar de Pascoaes, a 3 Kms. de Amarante, era o seu poiso
favorito. O Marão que ele amava estendia-se a perder de vista. Como
resistir-lhe? A sua Obra casa com a paisagem. É uma vasta exposição de coisas
belas, indizíveis, eivadas de espiritualidade. Ele próprio puro espírito. Dizer
que Pascoaes foi um dos monstros Sagrados da nossa literatura, é fazer-lhe
justiça. Mais ainda: foi o mais português dos nossos poetas, o que melhor
espelhou a alma nacional. Os seus livros reflectem as características e
idiossincrasias da nossa gente. Cada português é uma saudade viva. A angústia
do poeta é a nossa própria angústia. Pronta a vir à tona em qualquer
emergência… Ao contrário do povo espanhol que é alegre, nós somos tristes.
Temos uma tendência inata para o sofrimento, de certo modo o masoquismo. Mesmo
estuando de juventude, Teixeira de Pascoaes refugiava-se na melancolia como num
estojo. Nisso muito diferente do pai, João Pereira Teixeira de Vasconcelos, que
era alegre e extrovertido. Contudo pai e filho compreendiam-se. Houve sempre
entre eles uma espécie de cumplicidade. E, é justo dizer, que foi o pai a
pessoa que mais o influenciou, o que lhe incutiu, desde os verdes anos a paixão
pela cultura. Ele próprio dotado de grande inteligência e erudição. Ao pé dele
o filho parecia um mono, um desmancha-prazeres. Fugia do bulício, da alegria
fácil. E sempre assim foi, a vida inteira. Mesmo em Coimbra onde se formou em
Direito, Pascoaes só se sentia bem entre os seus papéis. O seu quarto era a sua
"Torre de Anto". O curioso é que nesse tempo era um bonito rapaz. No
dizer de Eugénio de Andrade, “morenaço de cabelo negro e basto, sobrancelhas
espessas, uns olhos imensos e luminosos.”
Concluído o curso,
estava-se em 1901, parte para Amarante para exercer advocacia. É ainda em
Amarante que se torna juiz substituto, cargo que exerceu durante dois anos.
Dessa experiência Pascoaes dirá mais tarde “entre o poeta natural e o advogado
à força ia começar um duelo que durou dez anos, tanto como o cerco de Tróia e a
formatura de João de Deus”. Entre 1912 e 1926 dirige a revista “A Águia”,
arauto da Renascença Portuguesa. Aí o poeta divulga a sua filosofia do
Saudosismo, que pretende inculcar a Saudade como expressão suprema da alma
nacional.
Entretanto, um após
outro, os livros iam surgindo. Em 1895 publica “Embriões” e, durante o período
de estudante, “Belo”, “Sempre”, “Terra Prometida”. Estes dois últimos livros
chamaram já a atenção da crítica. Segundo Jacinto Prado Coelho, “prenunciam o
Sonambulismo, o poder de colocar-se no centro subjectivo da vida e de não sair
dele, o alheamento dos outros homens, a imaginação do abstracto, o sentimento
religioso das coisas”, que tornariam inconfundível a sua poesia.
A partir de 1916,
embora ainda ligado à revista “Águia”, abranda a sua actividade para se dedicar
quase em exclusivo à Sua Obra. José Gomes Ferreira fala desse período da vida
do poeta dizendo da influência do Marão na sua criação artística “naquele
cenário de aspectos roucos, alheio à quotidiana da Terra dos homens meio anjos
meio demónios”. A grandiosidade da paisagem que defronta coloca-o “perto dos
deuses iniciados”, ainda no dizer de Gomes Ferreira. O contemplativo em
Pascoaes está no seu elemento. De nada mais precisa para ser ele próprio. Os
livros que publica a partir de 1916 refrectem esse estado de graça. E são
“Contos Indecisos”, 1921; “Cânticos”, 1925; “Sonetos”; no mesmo ano “Últimos
Versos”, já em 1953, (livro póstumo, pois faleceu em 1952). Ainda como advogado
outros livros tinham vindo a lume: "Jesus e Pã”, 1903; “As Sombras”, 1907;
“Senhora da Noite”, 1909; “Marânus”, 1911; “egresso ao Paraíso”, 1912; no mesmo
ano “Elegias”, “O Doido e a Morte”, no ano seguinte: “O Verbo Escuro” (prosa
poética), 1914. Pascoaes, além da poesia cultivou também e com o mesmo
esplendor, outras formas literárias: Teatro, Ficção, Ensaio, Biografia. Neste
último género de destacar: “S.Paulo” e “S.Jerónimo”; no ensaio “A Arte de Ser
Português”. Enfim, todo um mundo denso, vulcânico, pronto a explodir. Contudo,
como sempre acontece aos grandes homens, o vidente do Marão conheceu a contradita,
a incompreensão. De notar que Fernando Pessoa tinha por ele uma espécie de
antipatia… e dava-se o inverso. Outros poetas e escritores o ignoraram. Por
outro lado, Pascoaes só tinha em grande conta Raul Brandão. No que me toca e a
todos que aqui estão, espero, Teixeira de Pascoaes foi um dos maiores poetas
portugueses.
Madalena Gomes
Lisboa/Portugal
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