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sábado, 11 de fevereiro de 2012

eisFluências de Abril de 2010




Teixeira de Pascoaes

Uma das figuras mais proeminentes da literatura e da cultura portuguesas do século XX, Teixeira de Pascoaes (Joaquim Pereira Teixeira de Vasconcelos) é estruturalmente um poeta-filósofo, mesmo quando se instaura como mentor do Saudosismo ou resvala da poesia para outros géneros literários, cujo hibridismo (de géneros e de linguagem) tem vindo a ser explorado pela crítica moderna. Nascido a 2 de Novembro de 1877, em Amarante (Gatão), cursa Direito em Coimbra (1896-1901) e chega a exercer profissão, durante dez anos, no Porto, entregando-se depois, e até à data da sua morte (1952), à escrita, recolhido no solar cujo nome adoptou (Pascoaes), no seio da paisagem da sua intimidade – o Marão e o Tâmega, que eleva, enquanto canto à Terra e à Natureza, em termos míticos e místicos, a uma figura integral do Mundo e do destino humano.A sua estreia no parnaso português, numa procura de rumo entre as diversas tendências herdadas da viragem do século, não foi brilhante. Em 1895 publica a primeira obra poética, Embriões, que merece a crítica menos favorável de Guerra Junqueiro. Nas obras que imediatamente se seguem, Belo I (1896) e Belo II  (1897) e À Minha Alma (1898), transparece já uma vivência original, que toma o Homem como centro e caminho de uma ascensão espiritual crescente, transformando o material em espiritual, a memória em sonho, o Real em Irreal, a presença corpórea em ausência saudosa. As coordenadas do seu universo imaginário, já imbuído do que mais tarde chamaria Saudade, estavam lançadas. Mas a sua consagração só seria alcançada com Sempre (1898), que simboliza o encontro do poeta consigo mesmo. Nesta obra estão já patentes traços que tornarão a sua poesia inconfundível: a fusão do subjectivo e do objectivo; o sentimento religioso das coisas, esse além que, num mesmo instante, se esconde e se revela nas sombras, nos fantasmas e nos espectros; o fascínio pelo mistério e pela substância enigmática de tudo o que o rodeia; a vocação mística, que tudo transforma.
(Pesquisa e montagem de Carmo Vasconcelos)



TEIXEIRA DE PASCOAES
 Por Madalena Gomes
(In Memoriam)


Teixeira de Pascoaes, pseudónimo do poeta Joaquim Pereira Teixeira de Vasconcelos, foi um surrealista antes do surrealismo. Ele e António Nobre os dois “solitários” da nossa literatura. Solidão diferente, no entanto. Enquanto António Nobre se deleitava com a solidão, Pascoaes era a própria solidão. Refugiava-se nela como numa fortaleza. À semelhança de Luís da Baviera, que fazia dos seus castelos um miradouro para o mundo, Teixeira de Pascoaes tornou-se ermita no Marão. De lá olhava os outros homens à distância, como um semideus. Das cores deslumbrantes da paisagem que o rodeava tirava como de uma harpa os tons magoados, os cinzentos os arroxeados. A paisagem do Marão sabia-a de cor. Raro era o dia que não mergulhava nela. O Solar de Pascoaes, a 3 Kms. de Amarante, era o seu poiso favorito. O Marão que ele amava estendia-se a perder de vista. Como resistir-lhe? A sua Obra casa com a paisagem. É uma vasta exposição de coisas belas, indizíveis, eivadas de espiritualidade. Ele próprio puro espírito. Dizer que Pascoaes foi um dos monstros Sagrados da nossa literatura, é fazer-lhe justiça. Mais ainda: foi o mais português dos nossos poetas, o que melhor espelhou a alma nacional. Os seus livros reflectem as características e idiossincrasias da nossa gente. Cada português é uma saudade viva. A angústia do poeta é a nossa própria angústia. Pronta a vir à tona em qualquer emergência… Ao contrário do povo espanhol que é alegre, nós somos tristes. Temos uma tendência inata para o sofrimento, de certo modo o masoquismo. Mesmo estuando de juventude, Teixeira de Pascoaes refugiava-se na melancolia como num estojo. Nisso muito diferente do pai, João Pereira Teixeira de Vasconcelos, que era alegre e extrovertido. Contudo pai e filho compreendiam-se. Houve sempre entre eles uma espécie de cumplicidade. E, é justo dizer, que foi o pai a pessoa que mais o influenciou, o que lhe incutiu, desde os verdes anos a paixão pela cultura. Ele próprio dotado de grande inteligência e erudição. Ao pé dele o filho parecia um mono, um desmancha-prazeres. Fugia do bulício, da alegria fácil. E sempre assim foi, a vida inteira. Mesmo em Coimbra onde se formou em Direito, Pascoaes só se sentia bem entre os seus papéis. O seu quarto era a sua "Torre de Anto". O curioso é que nesse tempo era um bonito rapaz. No dizer de Eugénio de Andrade, “morenaço de cabelo negro e basto, sobrancelhas espessas, uns olhos imensos e luminosos.”
Concluído o curso, estava-se em 1901, parte para Amarante para exercer advocacia. É ainda em Amarante que se torna juiz substituto, cargo que exerceu durante dois anos. Dessa experiência Pascoaes dirá mais tarde “entre o poeta natural e o advogado à força ia começar um duelo que durou dez anos, tanto como o cerco de Tróia e a formatura de João de Deus”. Entre 1912 e 1926 dirige a revista “A Águia”, arauto da Renascença Portuguesa. Aí o poeta divulga a sua filosofia do Saudosismo, que pretende inculcar a Saudade como expressão suprema da alma nacional.
Entretanto, um após outro, os livros iam surgindo. Em 1895 publica “Embriões” e, durante o período de estudante, “Belo”, “Sempre”, “Terra Prometida”. Estes dois últimos livros chamaram já a atenção da crítica. Segundo Jacinto Prado Coelho, “prenunciam o Sonambulismo, o poder de colocar-se no centro subjectivo da vida e de não sair dele, o alheamento dos outros homens, a imaginação do abstracto, o sentimento religioso das coisas”, que tornariam inconfundível a sua poesia.
A partir de 1916, embora ainda ligado à revista “Águia”, abranda a sua actividade para se dedicar quase em exclusivo à Sua Obra. José Gomes Ferreira fala desse período da vida do poeta dizendo da influência do Marão na sua criação artística “naquele cenário de aspectos roucos, alheio à quotidiana da Terra dos homens meio anjos meio demónios”. A grandiosidade da paisagem que defronta coloca-o “perto dos deuses iniciados”, ainda no dizer de Gomes Ferreira. O contemplativo em Pascoaes está no seu elemento. De nada mais precisa para ser ele próprio. Os livros que publica a partir de 1916 refrectem esse estado de graça. E são “Contos Indecisos”, 1921; “Cânticos”, 1925; “Sonetos”; no mesmo ano “Últimos Versos”, já em 1953, (livro póstumo, pois faleceu em 1952). Ainda como advogado outros livros tinham vindo a lume: "Jesus e Pã”, 1903; “As Sombras”, 1907; “Senhora da Noite”, 1909; “Marânus”, 1911; “egresso ao Paraíso”, 1912; no mesmo ano “Elegias”, “O Doido e a Morte”, no ano seguinte: “O Verbo Escuro” (prosa poética), 1914. Pascoaes, além da poesia cultivou também e com o mesmo esplendor, outras formas literárias: Teatro, Ficção, Ensaio, Biografia. Neste último género de destacar: “S.Paulo” e “S.Jerónimo”; no ensaio “A Arte de Ser Português”. Enfim, todo um mundo denso, vulcânico, pronto a explodir. Contudo, como sempre acontece aos grandes homens, o vidente do Marão conheceu a contradita, a incompreensão. De notar que Fernando Pessoa tinha por ele uma espécie de antipatia… e dava-se o inverso. Outros poetas e escritores o ignoraram. Por outro lado, Pascoaes só tinha em grande conta Raul Brandão. No que me toca e a todos que aqui estão, espero, Teixeira de Pascoaes foi um dos maiores poetas portugueses.

Madalena Gomes
Lisboa/Portugal

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