O HOMEM E A FLOR DO IPÊ
AMARELO
Luiz Poeta
( Luiz Gilberto de Barros ) – às 18 h e
52 min do dia 22 de julho de 2011 do Rio de Janeiro, especialmente para a
revista eisFluências.
O modestíssimo
homem caminhava pela cidade, levando uma flor... pela mão.
Não era uma flor qualquer...era uma flor de ipê
amarelo, que o acompanhava e ria para o pudico sorriso de uma pessoa apenas
preocupada em misturar fantasias com reflexões.
Seguindo cada passo que ambos davam, os
passarinhos pulavam de galho em galho, de fio em fio, entoando cantos que
contrastavam com os rumores metropolitanos. E para completar sinestesias
paralelas, borboletas multicoloridas emolduravam aquele momento único,
desfilando vangogues dentro dos olhos da flor e dos sonhos do homem.
Os indivíduos que estavam em frente à banca de
jornais situada no coração da praça, ou que tomavam suas bebidas matinais,
olecraniados nos balcões das padarias e bares, e que taquicardiavam conversas
ruidosamente gesticuladas, os condutores dos ônibus lotados de pressas e
reclamações, os motoristas de veículos
particulares transitando confortos de pendrives plugando canções sonolentas, e
todos quantos ali estavam, celebrando a fisiologia da vida, pararam para olhar a inusitada imagem daquele
homem simplório conduzindo uma magnífica flor de ipê amarelo... pela
mão.
Não se sabia definir quem era mais louco: o homem
com a flor, a flor com o homem, o padre que se benzera, o ciclista que caíra
sobre uma freira orando, ao celular, o bêbado que raciocinara, o policial que
se auto-algemara, a vocalize que silenciara, o capitalista que se engravatara a um filósofo da plebe
rude, espremidos, todos, unissonamente boquiabrindo sussurros, estarrecidos
diante daquela inefável cena que se movimentava na ternura ótica dos que ainda
sonambulam lirismos diurnos, observando algum resquício de poesia nos jardins
de uma praça espremida entre sombras arquitetônicas que se esgueiram de prédios
absurdamente monumentais.
O homem era pequenino, esquálido, compulsivamente
feliz, gengivando sorrisos no espasmo das mais tenras e ternas alegrias... a
sedutora flor apenas dourava o ambiente, despetalando taciturnas seduções,
e distraindo-se com a simpaticíssima e
bucólica solidão humana que tornava aquele cidadão, mais que gente, uma outra
alma... de flor.
Súbita, abrupta e repentinamente, como
consequência daquele êxtase coletivo de olhares perdidos, mirando um simples
homem e uma flor humanizada, inúmeras
freadas sonorizaram pequenas tragédias metropolitanas: colisões traseiras e
dianteiras... sons de buzinas, sirenes, motores, berros, agressões verbais
vocativando pornofonias... viaturas
policiais ecoando advertências, ambulâncias escavando estrias territoriais no
trânsito congestionado que estuprava calmarias... todos se modificaram,
tornando-se descontroladamente
irritados, desvairadamente estressados... mas todos sabiam quem eram os
culpados ! O homem e a flor de ipê amarelo !
E era preciso puni-los, madalenizá-los,
agredi-los, linchá-los... matá-los ! Exterminá-los da agitação das calçadas
impregnadas de fumaça e odores peculiarmente urbanos...
Os grupos foram se avolumando, organizando-se
numa trôpega multidão entorpecida pela sede de vingança e que, a exemplo de
alguns vermes que se deglutem, transformava-se em uma massa disforme de
humanidade e densa de vorazes ameaças.
O descontrole era geral. Gritarias, buzinas,
sirenes e roncos de motores tornavam-se mais estridentes ainda... decibéis
estupravam silêncios. Todos empurravam-se, xingavam-se, agrediam-se física,
psicológica e instintivamente...
Num átimo, tiros no ar, gente correndo, gritando,
pisoteando-se, cachorros latindo, estridências, confusão e um súbito...
silêncio .
Bebadamente gradativa, a calma tornou-se
sonolenta e suprimiu cada eco que ainda pairava no ar, transformando-se numa
paz profundamente metafísica... findos todos os ruídos humanos, mecânicos,
instintivos ou fisiológicos, cada olhar voltou-se definitivo, para uma inevitável direção.
Nela, o homem e a flor pareciam sublimar a leveza
das suas derradeiras passadas, tornando inefáveis aqueles líricos minutos de um
passeio eternizado em cada retina perdida em trôpegas abstrações
transcendentais.
Numa última, inequívoca e sublime troca de
olhares, suas atitudes não careciam de palavras.
Ele deitou-se num banco de concreto, suspirou seu
último sorriso e adormeceu, polinizando eternos devaneios. Seus olhos nebulosamente
azuis desmaiaram sobre a mansidão
amarela de uma flor de ipê...
Delicadamente, uma tênue brisa acariciou, uma a
uma, todas as pétalas que bailaram no ar, polinizando, com afetuosa generosidade, o encantamento dos
velhinhos que ainda sonham, a lúdica abstração das crianças que não conhecem o
pecado e sobrenatural pureza dos poetas
que ainda voam, como pétalas... de ipês... amarelos.
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Rio de Janeiro/Br
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