Páginas

domingo, 12 de fevereiro de 2012

eisFluências de Agosto de 2011



O HOMEM E A FLOR DO IPÊ AMARELO
Luiz Poeta
( Luiz Gilberto de Barros ) – às 18 h e 52 min do dia 22 de julho de 2011 do Rio de Janeiro, especialmente para a revista eisFluências.

O modestíssimo  homem caminhava pela cidade, levando uma flor... pela mão.
Não era uma flor qualquer...era uma flor de ipê amarelo, que o acompanhava e ria para o pudico sorriso de uma pessoa apenas preocupada em misturar fantasias com reflexões.
Seguindo cada passo que ambos davam, os passarinhos pulavam de galho em galho, de fio em fio, entoando cantos que contrastavam com os rumores metropolitanos. E para completar sinestesias paralelas, borboletas multicoloridas emolduravam aquele momento único, desfilando vangogues dentro dos olhos da flor e dos sonhos do homem.
Os indivíduos que estavam em frente à banca de jornais situada no coração da praça, ou que tomavam suas bebidas matinais, olecraniados nos balcões das padarias e bares, e que taquicardiavam conversas ruidosamente gesticuladas, os condutores dos ônibus lotados de pressas e reclamações,  os motoristas de veículos particulares transitando confortos de pendrives plugando canções sonolentas, e todos quantos ali estavam, celebrando a fisiologia da vida,  pararam para olhar a inusitada imagem daquele homem simplório  conduzindo  uma magnífica flor de ipê amarelo... pela mão.
Não se sabia definir quem era mais louco: o homem com a flor, a flor com o homem, o padre que se benzera, o ciclista que caíra sobre uma freira orando, ao celular, o bêbado que raciocinara, o policial que se auto-algemara, a vocalize que silenciara, o capitalista  que se engravatara a um filósofo da plebe rude, espremidos, todos, unissonamente boquiabrindo sussurros, estarrecidos diante daquela inefável cena que se movimentava na ternura ótica dos que ainda sonambulam lirismos diurnos, observando algum resquício de poesia nos jardins de uma praça espremida entre sombras arquitetônicas que se esgueiram de prédios absurdamente monumentais.
O homem era pequenino, esquálido, compulsivamente feliz, gengivando sorrisos no espasmo das mais tenras e ternas alegrias... a sedutora flor apenas dourava o ambiente, despetalando taciturnas seduções, e  distraindo-se com a simpaticíssima e bucólica solidão humana que tornava aquele cidadão, mais que gente, uma outra alma... de flor.
Súbita, abrupta e repentinamente, como consequência daquele êxtase coletivo de olhares perdidos, mirando um simples homem e uma flor humanizada,  inúmeras freadas sonorizaram pequenas tragédias metropolitanas: colisões traseiras e dianteiras... sons de buzinas, sirenes, motores, berros, agressões verbais vocativando pornofonias...   viaturas policiais ecoando advertências, ambulâncias escavando estrias territoriais no trânsito congestionado que estuprava calmarias... todos se modificaram, tornando-se  descontroladamente irritados, desvairadamente estressados... mas todos sabiam quem eram os culpados ! O homem e a flor de ipê amarelo !
E era preciso puni-los, madalenizá-los, agredi-los, linchá-los... matá-los ! Exterminá-los da agitação das calçadas impregnadas de fumaça e odores peculiarmente urbanos...
Os grupos foram se avolumando, organizando-se numa trôpega multidão entorpecida pela sede de vingança e que, a exemplo de alguns vermes que se deglutem, transformava-se em uma massa disforme de humanidade e densa de vorazes ameaças.
O descontrole era geral. Gritarias, buzinas, sirenes e roncos de motores tornavam-se mais estridentes ainda... decibéis estupravam silêncios. Todos empurravam-se, xingavam-se, agrediam-se física, psicológica e instintivamente...
Num átimo, tiros no ar, gente correndo, gritando, pisoteando-se, cachorros latindo, estridências, confusão e um súbito... silêncio .
Bebadamente gradativa, a calma tornou-se sonolenta e suprimiu cada eco que ainda pairava no ar, transformando-se numa paz profundamente metafísica... findos todos os ruídos humanos, mecânicos, instintivos ou fisiológicos, cada olhar voltou-se  definitivo, para uma inevitável direção.
Nela, o homem e a flor pareciam sublimar a leveza das suas derradeiras passadas, tornando inefáveis aqueles líricos minutos de um passeio eternizado em cada retina perdida em trôpegas abstrações transcendentais.
Numa última, inequívoca e sublime troca de olhares, suas atitudes não careciam de palavras.
Ele deitou-se num banco de concreto, suspirou seu último sorriso e adormeceu, polinizando eternos devaneios. Seus olhos nebulosamente azuis desmaiaram sobre a  mansidão amarela de uma flor de ipê...
Delicadamente, uma tênue brisa acariciou, uma a uma, todas as pétalas que bailaram no ar, polinizando,  com afetuosa generosidade, o encantamento dos velhinhos que ainda sonham, a lúdica abstração das crianças que não conhecem o pecado e sobrenatural  pureza dos poetas que ainda voam, como pétalas... de ipês... amarelos.
_________________________
Rio de Janeiro/Br


Sem comentários: