PRECISO QUEBRAR O SILÊNCIO
por NALDOVELHO
Preciso quebrar o silêncio,
libertar o verbo aprisionado em mim. Desentranhar sentimentos, materializar
substantivos, enfatizar adjetivos, construir uma oração onde o tempo seja o
eterno recomeçar.
Preciso quebrar correntes,
revelar segredos, atirar pela janela todos os meus guardados, móveis,
tapeçarias, utensílios, quadros, deixar a casa vazia, inclusive de espelhos...
Preciso me reconstruir por inteiro.
Preciso telefonar, urgentemente,
para aquele amigo que se fez ausente. Preciso saber onde errei e se ainda há
tempo, e se não errei: preciso saber aceitar seu silêncio.
Preciso abrir portas e janelas,
deixar o vento varrer toda a casa, e que os pássaros invadam a sala; preciso
alimentá-los, principalmente de amor.
Preciso me apaixonar outra vez,
reler tuas cartas, escrever outras, dizer que te amo, e ainda quê, há tanto
tempo, ao meu lado, te abraçar com ternura, tratar de ti com cuidado.
Preciso cuidar melhor do meu jardim,
regar na medida certa, flores e folhagens, podar alguns galhos secos, retirar
ervas daninhas, partes amareladas, apodrecidas.
Preciso do abraço amigo, dos
olhos nos olhos sem máscaras, da palavra que exorcize o medo de falar daquilo
que gosto, e ainda assim, deixar bem claro que respeito, quem prefira de um
outro jeito e compreendo a vida que têm para viver.
Preciso caminhar por este mundo,
respirar o ar que ainda posso, rever lugares, pessoas, cidades, varar
madrugadas desertas, saborear frutas colhidas sem pressa, curtir o som das
águas de um rio a lapidar pedras, margens, caminhos; sentir
o cheiro da chuva, das ervas
escolhidas, remédios.
Preciso rever lua cheia e que não
seja contaminada pelas luzes que vêm da cidade, e ao amanhecer forasteiro num lugar
distante de tudo, entender que a vida podia ser diferente daquela que eu
escolhi pra viver. Preciso acreditar que ainda existem muitas vidas a serem
vividas e muitos outros lugares por onde eu possa me conhecer.
Preciso caminhar pela praia,
sentir a areia entre os dedos, colher pedrinhas, conchinhas, reencontrar aquela
sereia, mergulhar com ela nas águas, pedir a benção madrinha! Licença, pro teu
filho, vim te visitar.
Preciso morrer daqui a algum
tempo, e que seja uma morte sem dor. Que eu encerre como se fosse um poema,
escrito por urgências de vida, por inquietudes estranhas, latentes, e eu fiz o
melhor que pude! Fui um poeta, ainda que tardio, da linguagem da minha gente; pois
sou caboclo, mestiço, cafuzo, visceralmente confuso, sem medidas métricas ou
rimas, confessadamente insano pelo muito que semeei.
Preciso comer certas sementes, deixar que elas
germinem, e no tempo certo floresçam dentro de mim.
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