Jogo feito
por Jorge Cortás Sader Filho
Chovia fino naquela madrugada fria de
meados de julho.
Interessante. A gente nunca sabe o que
pode acontecer numa hora desta. O homem já com alguma idade, uns trinta e
pouco, talvez, ajeitava sua japona grossa, da marinha mesmo, comprada numa loja
de uniformes perto do Primeiro-Distrito Naval. Não passava frio nem no gelo, se
estivesse por cima de camisa de malha com mangas compridas, como o mal-encarado
estava usando. Moreno, boa altura, sapatos mocassim pretos, calça de veludo
cotelê, preta também.
O conhaque espanhol estava em cima da
mesa, com um copo próprio pela metade, ele já havia tomado um pouco. Acariciava
uma Colt, calibre quarenta e cinco, sua arma de predileção. Estas pistolas
atuais, que dão mais de quinze tiros, não são eficazes como a velha Government
Model. Pesadona, boa de empunhar, sem apresentar nenhum defeito se a munição
for nova ou dentro do prazo de validade. Especialmente naquela noite a arma não
poderia falhar.
Goteiras pingavam a água da chuva, no
velho galpão onde fora residência de um caseiro do sítio, e guardava velhas
tralhas de jardinagem. Alheio a tudo isto, o homem magro continuava a beber seu
conhaque com café, enquanto fumava e mexia na pistola, engatilhando, levando o
cão até a frente, tirando o carregador e a bala da câmara.
Como uma brincadeira, repetia os
movimentos incessantemente. Viu quando os faróis da caminhoneta moderna
varreram o quintal. “Chegou a hora”, falou consigo mesmo. Experimentado,
colocou a garrafa de conhaque e dois tocos de cigarros fumados numa mochila que
carregava. No bule de café e no copo não tinham suas digitais. Havia usado uma
luva fina, as impressões eram de outra pessoa.
Meses antes, uma conhecida e belíssima
artista de teatro e novelas de televisão, havia se passado de armas e bagagens
para o lado do conhecido financista Affonso, no momento negociando uma casa de
venda de pedras preciosas. Coisa grande, mas o antigo dono da maior joalheria
do Rio tinha dinheiro, além de ser conhecedor de gemas de valor. A última delas
era a artista famosa. Namorava o seu filho, um homem de trinta e dois anos,
também metido com negócios, com a vantagem de possuir sólida formação
matemática, ciência em que havia se bacharelado. Apresentara a namorada ao pai
e jantaram juntos, num conhecido e elegante lugar da moda, em Ipanema. Foi o
bastante para o velho ter virado a cabeça. Conhecia os casos do filho, sempre
envolvido com beldades por causa de dois atributos fortes e muito favoráveis:
era bonito e rico, além de jovem.
Dois meses depois, a guria já estava
casada, casadíssima com o velho Affonso, que não se cansava de admirar a beleza
da esposa e consumir muitos comprimidos contra a famosa disfunção erétil. Dava
sempre certo.
Célio, o filho, ficou puto da vida, mas
não tinha como alterar as coisas. A sacana da guria tinha trapaceado, e com o
pai!
Primeiro ele pensou em encher a gaúcha de
porrada. Mas quem já foi treinado para matar sempre prefere esta opção. Havia
cursado a escola de formação de oficiais da reserva do exército, e gostou muito
do núcleo das forças especiais, onde saiu habilitado com louvor.
Os faróis continuavam a varrer a mata do
sítio, e já não havia mais chuva, apenas a relva molhada, na qual a jovem caiu
para não mais levantar, com o vestido molhado de sangue.
Jorge Cortás Sader Filho
Niterói/BR
CONTINUE A LER A REVISTA CLICANDO NA GRAVURA SUPERIOR